Essa é a vista que me cabe, há 55 dias.
Eu não fui na rua um dia sequer e não desci nem na portaria do prédio pra dar um passeio de elevador. Há cinquenta e cinco dias as predes da minha casa são mais que a minha casa. São meu mundo todinho.
Eu ouço os vizinhos ao telefone, tem cachorro que late, criança que faz birra e tem essa obra que empoeira a janela do meu quarto e faz barulho de segunda à sábado. Tem esse papel de parede do quarto que está descascando em TODAS as 3 predes que reveste e que me mata de ódio diariamente. Tem trabalho, tem meus livros e minhas plantas (que já viveram dias melhores).
Mas já tenho planos pra esse papel de parede que descasca... já imaginei novas plantas em diferentes cantos do apartamento e já ensaiei comprar um tapete pra sala e desisti por ter certeza que as cachorras não vão se adaptar. Aprendi a ter um novo relacionamento com a minha casa.
Também tenho planos pra quando meu mundo começar a transbordar essas fronteiras: quero comemorar meu aniversário, quero rever meus amigos, quero abraçar pessoas - logo eu que não sou de abraços, quero sentar numa mesa de boteco, madrugar na rua e voltar a pé pra casa, mesmo sabendo que não tenho mais idade pra isso. Essas são coisas que há 55 dias eu JAMAIS imaginaria que iria valorizar como valorizo hoje. Voltar pra casa vai ter, pra sempre, um significado diferente.
Acho que é isso que querem dizer quando falam que “o mundo da voltas”. Porque eu tenho certeza que, quando eu finalmente sair na rua, o mundo que vai estar lá me esperando, não vai ser nem de longe parecido com o mundo que eu vi, pela última vez, no dia 17 de março de 2020.